sábado, 27 de junho de 2009

Lançamento do Fórum pela Democratização das Universidades Estaduais Paulistas

da ADUSP:

Caros colegas,

Convidamos a todos para o ato público de lançamento do Fórum pela Democratização das Universidades Estaduais Paulistas, dia 29/6, segunda-feira, 12h, em frente à Reitoria da USP. Este ato ocorrerá simultaneamente à reunião de negociação entre o Cruesp e o Fórum das Seis.

Convidados: Francisco de Oliveira, Maria Victoria Benevides e Marilena Chauí

Contamos com a sua presença!

Diretoria da Adusp S. Sind.


domingo, 21 de junho de 2009

UNIVESP: piora iminente travestida de boa intenção [análise]

O texto abaixo (que segue na íntegra) foi publicado no blog breviário.org e faz uma boa análise sobre a UNIVESP e também sobre os últimos acontecimentos na USP.

Um dos pilares dos problemas atuais na Universidade de São Paulo é a vindoura instalação da assim chamada Universidade Virtual do Estado de São Paulo, a UNIVESP. Há uma desinformação assombrosa sobre o tema; pretendo expor em detalhes os problemas do projeto apresentado pelo governo estadual, não sem antes fazer algumas considerações a respeito do desconhecimento crônico da iniciativa.

Muitos alunos que se proclamam "contra a greve" e até "a favor da PM" não têm a mínima ideia do que é a UNIVESP e do que ela significa. Quando ficam sabendo que se trata de um projeto para criar cursos de ensino superior à distância, abraçam em maioria a defesa da iniciativa, sem fazer a devida reflexão sobre o tema: buscam argumentos a favor do ensino à distância que são não raro generalistas e improcedentes. Ora, não há a mínima lógica em apoiar algo que não se sabe o que é – e demonizar aqueles que são contra e conhecem os motivos para ter essa posição.

Não preciso dizer que seria desejável que a "maioria absoluta dos estudantes que é contra a greve" deveria ter embasamento em sua posição. Como já disse no post anterior, fui contrário à greve até o dia 9, quando passei a considerá-la necessária como resposta à ação violenta da PM. Antes disso, repetindo, era contrário, por motivos expostos no post anterior. Mas não me eximi e li o projeto que agora vou comentar.

***

O projeto começa com sua "Introdução" a dizer coisas muito justas e outras involuntariamente muito cômicas. A primeira das cômicas é a seguinte:

Os cursos de graduação, pós-graduação e extensão oferecidos pelas três universidades públicas do estado apresentam algumas das maiores relações de candidatos por vaga do país, o que confirma o alto nível oferecido na educação superior.

Esse fato, utilizado para falar bem das instituições de ensino superior acaba sendo mais uma prova de que há mais procura do que vagas, ou seja, uma relativa insuficiência. Mas é bom lembrar que o ensino superior universitário não precisa ser universal – insistir na "necessidade" de ampliar as vagas no ensino superior é desconhecer os problemas que já existem:

Entretanto, mesmo considerando-se as relações mundialmente acertas [sic] para a composição da pirâmide estudantil, e conseqüentemente da composição da pirâmide sócio-econômica, uma parcela bem pequena da comunidade estadual consegue o privilégio de desfrutar do ensino de qualidade oferecido pelas universidades públicas estaduais.

Aí entrariam discussões muito amplas, como a real necessidade da maioria da população ter um diploma de ensino superior. Sabemos que no Brasil há uma demanda irreal por diplomas, e qualquer torneiro mecânico teme precisar de um diploma de engenharia para conseguir emprego de… torneiro mecânico! É uma inversão completa de valores, representada até na recente música de Seu Jorge, Trabalhador brasileiro: "Tem gari por aí que é formado engenheiro." Mas não vou entrar nesses debates. Vou considerar como justa e correta a busca por ampliar o acesso à universidade às diferentes camadas sociais.

Nesse sentido, a intenção do projeto já se revela em sua introdução: considerar o ensino à distância uma das formas de garantir esse acesso sem grandes gastos em infraestrutura, que seriam impedimentos fortes. Lembro aqui um texto de Claudio de Moura e Castro, em favor do ensino à distância:

Logo após a criação dos selos de correio, os novidadeiros correram a inventar um ensino por correspondência. Isso foi na Inglaterra, em meados do século XIX. No limiar do século XX, os Estados Unidos já ofereciam cursos superiores pelo correio. Na década de 30, três quartos dos engenheiros russos foram formados assim. Ou seja, novo não é.

(…)

Mas, no caso dos longos [cursos], o calcanhar de aquiles do EAD é a dificuldade de manter a motivação dos alunos. Evitar o abandono é uma luta ingente. Na prática, exige pessoas mais maduras e mais disciplinadas, pois são quatro anos estudando sozinhas. As telessalas, que reúnem os alunos com um monitor, têm o papel fundamental de criar um grupo solidário e dar ritmo aos estudos. E, se o patrão paga a conta, cai a deserção, pois abandonar o curso atrapalha a carreira. Também estimula a persistência se o diploma abre portas para empregos e traz benefícios tangíveis – o que explica o sucesso do Telecurso.

Enfim, há casos de grande sucesso do ensino à distância, embora seja preciso um trabalho para evitar a deserção e o que Claudio chama de "embromação". Mas há dois pontos a se levantar no caso específico da UNIVESP: 1) ela se presta a formar licenciados, e não fornecer aprendizado técnico ou complementação de ensino fundamental e/ou médio – caso do Telecurso 2000; 2) é possível afirmar que a estrutura proposta para a UNIVESP servirá ao propósito nobre exposto na introdução de seu projeto?

Quanto ao primeiro ponto, já se deve questionar na base: é possível ensinar presencialmente formando-se à distância? Cursos relativos de alguma forma à pedagogia não podem deixar de dar ao aluno o caráter prático do específico metiér que é ensinar. Se os programas de estágio já são extremamente falhos na universidade, nada garante no projeto que haverá preocupação nesse sentido.

Já o segundo ponto merece uma análise mais detida, em especial contrapondo o projeto à argumentação. Partamos para um trecho posterior do projeto, já relativo ao público-alvo:

Num primeiro momento, espera-se que o projeto atenda parte da demanda por cursos superiores para os professores que ainda não o possuem, sem negligenciar o oferecimento inicial de alguns cursos de pós-graduação e M B As que possam promover a evolução de professores já graduados e que posteriormente possam atuar como multiplicadores e apoiadores do projeto.

Ou seja, professores que já trabalham como tal teriam a capacitação necessária para exercer a profissão. Ora, podemos ver isso de duas maneiras: uma aceitação da ideia de que há profissionais sem a qualificação necessária para ensinar trabalhando, não obstante sua não-formação. Por outro lado, sabemos da recente exigência, criada por lei estadual, de que todos os docentes da rede pública tenham ensino superior. Então a UNIVESP viria para corrigir esse problema. Ressalte-se que já há muitos anos essa situação dos docentes despreparados vem se agravando, e somente agora foi tomada uma atitude nesse sentido.

Mas, em seguida, a intenção de formar novos licenciados (e não apenas aprimorar os já empregados no ramo) fica patente:

Sugere-se que na fase inicial desta implantação, sejam objetivadas as áreas onde há maiores carências de formação ecapacitação docentes, de forma a aprimorar a educação básica no estado.

À parte a sintaxe sofrível do projeto, fica evidente a intenção de colocar os formados à distância para atender a demanda das escolas estaduais. O que entra em contradição com o discurso oficial anteriormente citado, de preferência aos professores que já trabalham no ensino público.

Mas vejamos os princípios operacionais do projeto:

Na primeira vertente, a TV Cultura, ainda operando em sua fase analógica, apresentaria ao menos duas horas de programação educacional por dia. Assim, haveria a possibilidade do oferecimento de meia hora diária de programação para cada um dos quatro cursos iniciais, permitindo o oferecimento de cinco disciplinas semanais em cada curso, média normal de disciplinas nos semestres letivos deste tipo de curso, além de dois cursos de pós-graduação baseados em transmissões realizadas aos sábados.

Sinto informar aos defensores do ensino à distância, mas o que vai acima é um acinte. Fazer uma cópia do Telecurso 2000 para formar professores é no mínimo ridículo. A estrutura de aulas pela TV pode servir para quem precisa completar falhas de formação, mas não para aquele que irá formar outras pessoas. Para isso é preciso muito mais do que conhecer o assunto que vai ser lecionado. Eu sei bastante de matemática, mas não me considero capaz de ensinar nem mesmo a aritmética elementar a alunos de primeira série pelo simples fato de que não tenho o mínimo treinamento necessário para lidar com os diferentes níveis de aprendizado dos alunos. Como alguém, assistindo programas educacionais na TV Cultura, pode aprender isso?

Mas ainda há coisas cômicas:

A relação do aluno com o professor responsável por uma disciplina, e com o tutor que acompanha a aprendizagem, pode acontecer de diferentes formas.
A primeira destas formas acontece quando da visualização do professor na televisão. Isto já promove uma certa relação pessoal, do mesmo tipo da que acontece entre o espectador e um ator.

Sem comentários. Adiante:

Entretanto, para que a aprendizagem seja continuamente orientada e incentivada, há que se criar uma estreita relação acadêmica entre alunos e professor. É nesta função que atua o professor-tutor, acompanhando e orientando todo o processo de aprendizagem.

Ou seja, o contato entre alunos e professores se dará por meio do intermediário "tutor", que provavelmente será um pós-graduando regiamente mal pago para exercer o papel do professor para os que tiverem dúvidas ou problemas. Mas o projeto nada diz sobre como será exercido esse tutoramento. Resta a impressão de que será também à distância, condicionando todo o aprendizado a um esquema virtual que, como sabemos, não se verificará na prática. Em suma: os que assistirão programas na TV terão o papel de apresentar o que aprenderam para os alunos da rede pública sem terem passado por nenhuma assistência real – só a virtual.

Quem chama esse curso de "semipresencial" não sabe do que está falando. Apenas as provas seriam presenciais, e os atendimentos feitos pelos tutores em alguns casos. A relação aluno-professor seria totalmente virtual. Logo, a propalação do termo "semipresencial" serve apenas a um propósito: amenizar a opinião pública que, em princípio, tenderia a ver na iniciativa a ver apenas mais um ato destrutivo da educação no estado de São Paulo. Esta opinião não estaria equivocada.

Tenho uma irmã no ensino estadual, cursando o primeiro ano do colegial. Neste ano, ao invés de distribuírem os tradicionais livros didáticos (não raro cheios de erros, mas ainda assim livros), preferiram dar cadernos de exercícios referentes às matérias. São péssimos. Quem duvida de mim deveria procurar esses cadernos. Um deles, de biologia, tem um erro primário: confunde teia alimentar com cadeia alimentar. Minha irmã, no primeiro ano do colegial, ainda não sabe o que é a tabela periódica. Não há nada no caderno dos dois primeiros bimestres sobre o que é o primeiro passo no ensino de Química.

Ou seja, somando-se todos os fatores, que motivos temos para acreditar que o ensino à distância proposto pelo governo estadual não é apenas mais uma forma de dar status de diplomados a pessoas sem a mínima formação? Que motivos temos para achar que as pessoas que se formarem nesse programa terão outra alternativa fora dar aulas no ensino público, sem a preparação necessária? Que as três reitorias das universidades estaduais paulistas nada façam contra essa precarização iminente do conceito de ensino superior é algo que causa assombro. E que a mídia não mostre a íntegra desse programa quando ele é citado como um dos motivos da greve na USP é vergonhoso.

Aos que dizem "PM nesses vagabundos!", fica meu sincero lamento. Principalmente aos alunos da Universidade de São Paulo que desconhecem tudo isso e apoiam a repressão violenta de um movimento que, se é extremamente falho, ultrapassado e em muitos momentos boçal, ainda assim tem a razão de revoltar-se contra essa política pública de educação que produzirá mais deficiências, sem resolver qualquer uma das já existentes.

Publicado pelo estudante de Letras Vinicius Melo Justo no blog Breviário.org

http://breviario.org/relances/2009/06/20/univesp-piora-iminente-travestida-de-boa-intencao/

Comparato: A autonomia universitária é uma farsa [entrevista]


Um dos intelectuais mais respeitados do país, Fábio Conder Camparato critica a presença da Polícia Milistar no campus da USP e afirma que os serviços públicos no Brasil são entendidos como um 'ralo por onde somem os recursos'. Para ele, a autonimia universitária é uma farsa e as instituições de ensino no país não agem de maneira republicana.


O jurista sofreu uma decepção na última quinta-feira (18). Ao chegar para a avaliação de uma tese de Mestrado, o professor deparou-se com as portas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco cerradas.

Por decisão do diretor João Grandino Rodas, o histórico prédio ficou fechado ao longo do dia por temor do que poderia ocorrer durante a passeata de estudantes, funcionários e professores de USP, Unesp e Unicamp.

Depois de subir ao caminhão de som dos manifestantes e afirmar que a reitora da USP, Suely Vilela, não tem mais confiança dos "dirigidos" para permanecer no cargo, o professor conversou com a reportagem da Rede Brasil Atual sobre a situação da Universidade – jornalistas de outros veículos acompanharam a conversa.

Para o jurista, a reitora, que deveria ser representante da comunidade universitária, comporta-se como secretária do governador José Serra, que utilizou a Polícia Militar como capangas do estado de São Paulo ao reprimir manifestação semana passada na Cidade Universitária.

Sobre a administração estadual, Fábio Konder Comparato aponta abuso no uso de publicidade como forma de promover eleitoralmente José Serra e destaca que tal propaganda vai contra a Constituição.

Há dois anos, o jurista foi vítima da aposentadoria compulsória, adotada para professores das universidades estaduais paulistas que atingem os 70 anos. Para ele, trata-se da "expulsória".

Ainda assim, o professor mantém estreita relação com a academia e desenvolve atividades nas áreas de Direito Comercial e dos Direitos Humanos, nas quais esteve focado ao longo dos últimos anos.

Como o senhor viu o fechamento do prédio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco?

Eu acho que nunca aconteceu na Faculdade de Direito. É um ato insólito porque, se os diretores de faculdade e a reitora se queixam da greve, eles deveriam também se manifestar contra o lockout. Isso é exatamente o oposto da greve, é o lockout, que é quando uma empresa fecha as portas e não deixa entrar os operários. É o que aconteceu aqui e eu fiquei muito envergonhado como professor. Eu fiquei literalmente surpreso com essa decisão, que não tem a meu ver nenhum apoio nos princípios republicanos que devem reger a Universidade.

Como o senhor acompanhou os fatos da semana passada?

O que é grave é que a Polícia Militar, que é composta por oficiais e soldados dignos, dedicados, começa a ser utilizada como um grupo de capangas do governador do estado e da reitora da Universidade. Isso é humilhante não só para a Universidade, mas também para os oficiais e soldados. Eles têm que exercer o papel mantendo a segurança e a ordem pública.

São Paulo é uma cidade absolutamente desordeira e submetida ao banditismo mais desbragado. Não sei se as pessoas se dão conta, mas de um ano para cá o número de furtos de veículos crescem em 300%. Oras, é evidente que, para reprimir isso, é preciso saber utilizar a Polícia Militar, e não simplesmente concentra-la no campus da USP para atacar estudantes, professores e funcionários. É uma inversão de objetivos.
O serviço da polícia não pode ser utilizado desta forma. Isso é um abuso de poder por parte do governo do estado.

O senhor entende que os fatos feriram o conceito da Universidade como instituição autônoma?

Sem dúvida. Aliás, a autonomia da Universidade é uma farsa, a começar pelo aspecto financeiro. O artigo 207 da Constituição declara as universidades autônomas sob o aspecto didático-científico, financeiro e administrativo, e o que se verifica é que sob o aspecto financeiro a Universidade é tratada como se fosse uma simples fonte de gastos. Ou seja, para nós, tradicionalmente no Brasil, o serviço público é uma espécie de ralo por onde somem os recursos públicos. A função do serviço público é servir o povo, não é servir a economia e dar dinheiro.

Para nós, tradicionalmente no Brasil, o serviço público é uma espécie de ralo por onde somem os recursos públicos. A função do serviço público é servir o povo, não é servir a economia e dar dinheiro

A economia nós faremos restringindo a propaganda governamental. O governador do estado faz propaganda da sua gestão, indo contra a Constituição, e ele resolve fazer economia em serviços públicos. Isso é um escárnio. É preciso que se diga claramente que o Ministério Público Estadual é culpado por não atacar essa propaganda governamental que é feita com dinheiro do povo simplesmente para beneficiar o governador de plantão.

O artigo 37 parágrafo 1º da Constituição proíbe a publicidade oficial em tom de propaganda ou para projetar a figura oficial de políticos, e é o que se faz de alto a baixo em todos os estados da federação.

O senhor falou que a reitora perdeu a confiança da comunidade. Uma vez posto isso, qual o caminho a ser seguido?

Infelizmente, o Estatuto da USP não abre um caminho. É por isso que tem que ser mudado. A reitora da Universidade não é eleita pelo Conselho, ela é nomeada pelo governador. Claro, a partir de uma lista tríplice, mas essa lista é formulada por uma maioria esmagadora de professores. Os estudantes e funcionários são subrepresentados no Conselho Universitário.

E, além disso, no momento em que ela perdeu a confiança de todos, ela não pode ser destituída. Nem o governador pode a rigor destituí-la, porque ela é nomeada por tempo certo.

Isso não é democracia. Até agora, funcionou porque a exigência democrática na sociedade brasileira era muito fraca. Mas a nova geração não se conforma com isso. A minha geração ainda achava que a elite é que deveria governar e que o povo é ignorante e incompetente. Hoje, graças a Deus, essas noções vão desaparecendo.

O povo sabe que não é idiota e sabe que é explorado, que não tem condições de manifestar sua soberania. Qual o fundamento da democracia? Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente. Os reitores de universidades não são representantes do povo universitário, e isso é de uma verdade mais do que evidente.

Então, nós temos que continuar pregando a República e a democracia na Universidade mesmo quando não há chance para que nossa pregação seja ouvida. Aos poucos, nossas reivindicações vão penetrando nas consciências, e quando a maioria se convencer que nós vivemos um regime político imoral, explorador e desordeiro, esse regime estará com os dias contados. Infelizmente, não será para o meu tempo.

Os fatos da semana passada podem marcar um momento de inflexão dentro da luta por democracia na Universidade?

Eu espero que sim, mas é preciso não perder de vista o seguinte: toda vez que a imoralidade e a violência irracional crescem na sociedade, a direita se torna mais forte. A direita espera sempre que haja alguém forte e decidido para tomar conta do Estado. E é o que está acontecendo. Há um grupo forte de estudantes que não acredita mais em democracia e nunca acreditou em República e está esperando algo como um fascismo tupiniquim.

Eu não tenho raiva deles, pelo contrário, considero como meus filhos e, de certa maneira, eu sei que eles estão errados. Nós erramos ao deixar de lutar eficazmente pela democratização da Universidade, nós erramos ao sermos condescendentes com a corrupção, e agora estamos pagando o preço disso.

Por outro lado, a verdadeira esquerda não é anárquica ou destruidora. A verdadeira esquerda é aquela que se liga indissoluvelmente aos pobres, aos humilhados e aos oprimidos.

E é por isso que quando surge uma figura como o Lula, que está longe de ser perfeito, mas que tem sensibilidade pelo pobre e que fala a linguagem do pobre, ele é não só acolhido como ele é venerado. E isso irrita profundamente a direita e a esquerda.

Neste momento de greve, sempre há quem queira desmerecer as decisões tomadas em assembleias.

Olha, as eleições no Brasil e em vários outros países não são uma manifestação de soberania. O povo não consegue impor a sua vontade unicamente elegendo representantes. Para que possa impor sua vontade, seria preciso, em primeiro lugar, que além de eleger, tivesse o poder de destituir.

Isso se chama recall. Isso existe em 15 estados dos Estados Unidos. No momento em que o povo soubesse que ele pode eleger, mas que pode também destituir, a política mudaria de figura.

Em segundo lugar, o povo precisa ter o direito de se manifestar sobre temas econômicos, políticos e sociais diretamente. É preciso abrir o referendo e o plebiscito. O Congresso Nacional impede isso porque é contra o clube deles, tanto de esquerda quanto de direita.

Analisando em termos gerais, vê-se uma reação da sociedade opondo-se fortemente às ações estudantis, tidas como radicais. Qual o papel que a Universidade vem desempenhando na sociedade para que se acabe alastrando esse tipo de opinião?

O grande problema é que a Universidade, todas as universidades públicas de modo geral, talvez com honrosas exceções, agem com objetivos não-republicanos. Ou seja, como se fosse um assunto privado. Professores se ocupam com a sua carreira, funcionários com a sua carreira, estudantes com o seu diploma.

Esta faculdade está no centro de uma metrópole cujo peso de pobreza e de miséria é imenso. A cem metros daqui, nós podemos entrar em um cortiço onde as pessoas alugam cama por algumas horas. E sobretudo no frio, agora no inverno, fazem questão de alugar uma cama de alguém que acabou de sair porque ela está quentinha.

A Faculdade de Direito, que está aqui no centro da miséria, cujas portas se abrem toda manhã com dezenas de pedintes, de miseráveis que dormiram ao relento, a faculdade não se preocupa com isso.

Não há nenhum professor que dê como trabalho prático aos seus alunos cuidar de contratos de locação dos cortiços aqui do centro. Quer cuidar disso? Vai ver como se aluga cama durante oito horas e, portanto, dá três aluguéis por dia.

Quando se trata de discutirmos problema de direito do trabalho, por que não enviar os alunos até quem precisa?

A Universidade pública existe para quê? Qual o objetivo dela? Ela é financiada sobretudo pelos pobres, que não têm o menor retorno da Universidade. É claro que eles têm raiva. Agora, no dia em que as universidades se voltarem para os direitos dos pobres, aí eu quero ver as classes abastadas dizerem que a Universidade só faz desordem e que ela depreda, que ela atinge a Polícia Militar.

O problema brasileiro, fundamental, já foi dito na primeira metade do século XVII pelo primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador: nenhum homem nesta terra é republico nem zela e trata do bem comum, se não cada um do bem particular.

[com informações da Rede Brasil Atual, 20 de Junho de 2009].

sábado, 20 de junho de 2009

Os "bunkers" virtuais

por Clóvis Rossi


Carta do leitor Jorge Henrique Singh, aparentemente um estudante, publicada no domingo, ajuda a entender não apenas o quadro na USP como, mais amplamente, a catatonia da sociedade brasileira.

Diz Singh, em sua carta, que "os estudantes pesquisam, conversam e protestam em rede antes de se deixarem levar por pregadores ideológicos profissionais" .
Então tá, os estudantes retiraram-se para um "bunker" virtual em que "protestam em rede". Enquanto isso, o que ele chama de "pregadores ideológicos profissionais" tomam conta da vida real (e da USP) -sem que os virtuais saiam um pouco de seu mundinho.
Vale para a USP, vale para o conjunto da vida em sociedade. Basta ver a quantidade de "protestos em rede" que giram em torno dos escândalos políticos sem conseguir comover os autores, que preferem a vida real (e a bufunfa real).
Faz pouco, o colunista do "New York Times" Nicholas D. Kristof produziu um belo texto mostrando que a esmagadora maioria dos blogs ou demais instrumentos em rede trava um diálogo de "nós com nós mesmos", ou seja, com quem pensa da mesma maneira (no caso dos Estados Unidos, democratas com democratas, neocons com neocons e por aí vai).
Não há verdadeiramente diálogo se por este se entender um debate entre ideias diferentes. Há um monólogo em que se ouvem apenas vozes com a mesma entonação, uma espécie de onanismo virtual, sem contato com o sexo oposto (no caso, as ideias opostas).
Com isso, desperdiçam-se as possibilidades de democratização oferecidas pela internet. Há, sim, uma imensa cacofonia de vozes, mas, na outra ponta, os ouvidos se fecham para aquelas que não são agradáveis, por desafiarem certezas cultivadas nos "bunkers" virtuais.
Pena que os problemas se resolvam é na vida real.

[texto publicado no jornal Folha de São Paulo em 16 de Junho de 2009]

A Univesp é um bom caminho para ampliar o acesso ao Ensino Superior no país?


NÃO

Univesp é arremedo de ensino superior

por César Augusto Minto


NO BRASIL , é comum atribuir relação intrínseca e biunívoca entre ensino à distância (EàD) e tecnologias de informação e comunicação (TIC), modernas ou não.

Ledo engano, pois tais tecnologias não caracterizam nem sequer são exclusivas do EàD. A incorporação das TIC no ensino presencial, por sinal, é modesta, entre outros motivos, porque faltam às instituições de ensino recursos para prover a infraestrutura necessária.

Por outro lado, a prática do EàD no país apresenta características negativas: 1) cursos modulares, aligeirados; 2) reduzida carga de ensino presencial, nem sempre conduzida por professores (substituídos por monitores e tutores); 3) fragmentação do processo de ensino: planejamento, elaboração, acompanhamento e avaliação realizados por pessoas distintas; e 4) precarização do trabalho dos docentes, monitores e tutores, todos submetidos a contratos temporários. Educadores e pesquisadores têm estudado o tema. Experiências que também se valeram em parte do EàD (como as licenciaturas parceladas no MT e o projeto Gavião no PA) auguram alguns indicadores positivos.

Mas ainda não dispomos de um conjunto fundamentado de saberes sobre o assunto que justifique a adoção plena do EàD. Contudo, instituições e pessoas distorcem os esforços citados para defender o seu uso indiscriminado, a começar pela formação de professores e em larga escala. Os defensores incondicionais do EàD têm agido rapidamente, tanto no plano nacional (criação da UNIVERSIDADE Aberta do Brasil) como em SP, onde criaram o programa UNIVERSIDADE Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Discutiremos aqui duas de suas alegações: 1) EàD e Univesp democratizam o acesso ao ENSINO SUPERIOR (ES) e 2) suprem a falta de professores de algumas disciplinas.

Grande contingente de pessoas não tem acesso ao ES presencial, supostamente por questões sociais ou geográficas; assim, a adoção do EàD seria uma iniciativa democratizadora. Porém, muitos desses excluídos residem em municípios onde há ES público, presencial e de qualidade, mas sem vagas em número suficiente.

Ora, se há jovens alijados do ENSINO SUPERIOR por razões sociais ou econômicas, os instrumentos a usar são outros: cursos noturnos, bolsas de estudo, moradia estudantil etc. Quanto às regiões desprovidas de ES, o Plano Estadual de Educação-Proposta da Sociedade Paulista (parado na Assembleia Legislativa) resolveria tal problema por meio da expansão das instituições públicas presenciais.

Do ponto de vista educacional, o EàD poderá trazer inúmeras limitações para os estudantes, desde ausência de programas de iniciação científica a dificuldades de acesso a boas bibliotecas e a laboratórios bem equipados. E serão privados da indispensável interação entre os estudantes, destes com os professores e de uns e outros com os objetos de conhecimento, em prejuízo da aprendizagem.

Vários países adotam EàD para contemplar pessoas que não podem ser atendidas presencialmente: impossibilitados de locomoção, prisioneiros, militares engajados em regiões de fronteira etc. Por que não se faz isso no Brasil? Por que se busca impor o EàD em substituição ao ensino presencial regular?

Todas as redes públicas de ensino, incluindo a paulista, sofrem com a falta de docentes, em especial de física, matemática, química e biologia. Mais do que a insuficiência de professores formados, porém, prevalece a precariedade das condições de trabalho e salário nessas redes, ignorada por sucessivos governos.

Há um contingente subutilizado de docentes que estão atuando em outras áreas por ausência de condições na rede pública paulista. Curiosamente, um dos cursos que darão início à Univesp, com 5.000 vagas, é o de pedagogia, área na qual não faltam profissionais!

Por que comprometer perigosamente a formação de professores nas próximas gerações? Por que oferecer apenas e tão-somente o EàD àqueles que, por razões socioeconômicas e, sobretudo, pelo sucateamento da rede pública, não estão tendo a oportunidade de frequentar o ENSINO SUPERIOR público presencial?


CÉSAR AUGUSTO MINTO, 59, é professor na Faculdade de Educação da USP e vice-presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP).

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SIM

O papel da sociedade

por Gil Costa Marques

A UNIVERSIDADE tem duas funções primordiais. A primeira é expandir as fronteiras do conhecimento e, assim, enriquecer a cultura científica e tecnológica do país. A mais importante, no entanto, é promover a formação de recursos humanos qualificados, os quais são elementos-chave no fomento do desenvolvimento econômico e social.

Para melhor cumprir sua função social, as universidades públicas devem buscar alternativas, além do ensino presencial, visando à ampliação da oferta de cursos novos. Isso levaria à formação de mais indivíduos qualificados para alavancar o desenvolvimento da sociedade que as sustenta.

Por isso, vemos como positivas as iniciativas das universidades estaduais paulistas de investir no ensino à distância. A universidade é o espaço da criatividade, da pesquisa e da inovação. Espera-se dela que investigue e analise novas ideias e experiências de natureza educacional. Assim, urge encontrar mecanismos institucionais visando à incorporação das novas tecnologias tanto no apoio ao ensino presencial quanto na ampliação de cursos de extensão e de graduação.

Há uma demanda crescente pelo ensino de qualidade. Há, por outro lado, no modelo atual de ensino, uma limitação de recursos materiais e humanos que impede o atendimento cabal dessas demandas. Com a evolução das ferramentas voltadas para o ensino, a modalidade à distância se torna uma alternativa viável para atender boa parte da demanda reprimida.

Portanto, a questão do uso das novas tecnologias não é se devemos utilizá-las para ampliar a oferta de cursos, mas como fazê-lo e em que ritmo.

O uso das novas tecnologias no ensino pode representar uma mudança de paradigma. Trata-se de uma forma de democratização do ensino e uma alternativa de inclusão social para aqueles que, por conta da sua condição social ou localização geográfica, não têm acesso ao ensino presencial.

Pode a universidade pública furtar-se à pesquisa, à disseminação e ao uso de um instrumento tão promissor?

Podemos oferecer cursos à distância sem que se perca a comprovada qualidade do ensino presencial?

Temos pouca experiência nessa modalidade, mas chamamos a atenção para um caso concreto. Tendo em vista a necessidade de formação de professores, a UFRJ oferece cursos à distância. O relatório de avaliação do curso de física indica que o desempenho dos alunos e a taxa de evasão são os mesmos dos cursos presenciais. A experiência da UFRJ demonstra que uma universidade de prestígio pode praticar ensino à distância mantendo o mesmo nível do ensino presencial.

O senso de responsabilidade exigido de USP, Unesp e Unicamp impõe, por outro lado, muita cautela para que não se comprometa a qualidade do ensino. Ademais, ninguém, ao que se saiba, defende a substituição ou a redução do ensino presencial.

As duas propostas em discussão na USP, por exemplo, visam tão-só à ampliação da oferta de cursos. Elas foram formuladas por 32 docentes de vasta experiência e devem ser (ou foram) analisadas em seis instâncias diferentes na universidade. Uma vez que temos um longo percurso pela frente e estamos apenas aprendendo a ensinar utilizando essas novas tecnologias, essa cautela é justificável. Novos cursos e modelos educacionais, além dos já sugeridos, devem ser analisados no futuro.

Por que deveríamos, nesse momento, ampliar a oferta de cursos? Uma nova perspectiva se abre quando analisamos o problema do ensino de ciências e matemática no Brasil.

É sabido que avaliações recentes colocam o ensino dessas matérias no país entre os piores do mundo. Um dos entraves ao ensino de ciências é a qualificação dos docentes. Assim, acreditamos que a USP deve oferecer, num primeiro momento, cursos de extensão e cursos de licenciatura à distância nos diversos ramos das ciências e pedagogia.

Com isso, estaria atendendo a uma demanda de claro interesse social.

A questão central é se essas universidades querem lançar mão do ensino à distância para resgatar uma enorme dívida social. Estão sendo instadas a resolver um problema cuja solução está a seu alcance. Cabe a elas contribuir, de forma significativa, para a melhoria do ensino no Brasil.


GIL DA COSTA MARQUES, 63, é professor titular do Instituto de Física da USP, coordenador de Tecnologia da Informação da USP e membro do conselho da Univesp.


Os artigos acima foram publicados na seção "Tendências e Debates" do jornal Folha de São Paulo em 20 de Junho de 2009.

Contra a presença da Polícia Militar na Universidade de São Paulo



Professores distribuíram 3 mil flores no ato realizado
no último dia 18 de Junho, em São Paulo. O ato remete principalmente
aos fatos ocorridos no campus da universidade na tarde do dia 09 de Junho.


Por que os grevistas são contra e-learning?

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Ato pela saída da Polícia Militar do campus da USP, pela saída de Suely Vilela do cargo de reitora e pelo fim da Univesp

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Segundo estimativa dos presentes, o ato unificado contou com cerca de 5 mil pessoas, sendo eles professores, funcionários e estudantes da USP, UNESP e UNICAMP.
Tendo como pautas centrais a saída da reitora Suely Vilela e a saída da Polícia Militar da Cidade Universitária da USP, o ato representou também a primeira ação e ponto de partida da campanha "Abaixo a Univesp! Pela expansão de vagas presenciais, gratuitas e de qualidade nas universidades públicas".

Veja algumas fotos do Ato:

no G1: http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1199298-5604,00.html

na Rede Brasil Atual, que está fazendo uma cobertura bastante ampla do ato: http://www.redebrasilatual.com.br/multimidia/albuns-de-fotos/manifestacao-usp/

no Uol: http://educacao.uol.com.br/album/20090618-protesto-usp-unesp-unicamp-paulista_album.jhtm?abrefoto=12


quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Ensino à Distância na USP

Certa vez ouvi uma anedota que dizia mais ou menos assim: se Immanuel Kant ressuscitasse em pleno século XXI, ele se espantaria com quase tudo, menos com a escola. Ainda veria um professor, alunos, giz e lousa. Só agora me dei conta que essa piada podia ter um conteúdo crítico. Afinal, por que o ensino deveria ficar fora dos avanços tecnológicos que já dominam as outras esferas da vida social?

O ensino à distância democratizaria o acesso à universidade a custo baixo (sublinhe-se o custo baixo); acabaria com o ensino voltado somente para a elite; e não seria aplicado indiscriminadamente (médicos e engenheiros continuariam em ensino presencial).

Não precisamos perguntar por que uma maneira de ensinar mais barata serve para formar professores e não para formar médicos. A resposta seria evidente: professor é categoria que pode ser formada de qualquer jeito. Também não é necessário indagar porque os alunos mais pobres (supostamente beneficiados pela expansão das vagas de ensino à distância) merecem uma forma no mínimo incerta de educação enquanto os supostamente mais ricos continuariam no ensino presencial.

Talvez o problema não esteja na Univesp em si. E nem nos recusamos à formação para o mercado. Na USP como em todo lugar, o aluno já é virtual em si e por si mesmo. Ele é potencialmente uma mercadoria num mundo que é uma imensa coleção delas. Ele será destinado a isso. Nossa diferença não é gerar conhecimento crítico (embora o façamos), mas treinar para o mercado os melhores produtores ou extratores de mais valia. Entre uma aula e outra, às vezes questionamos isso tudo.

Numa Faculdade de Filosofia costumamos aprender que as formas de aparência expressam não técnicas ou coisas, mas relações sociais. Por trás do fetiche das técnicas, o processo ensino-aprendizagem continua a ser uma relação social. Na sua etapa superior (e numa universidade de excelência como a nossa) ocorre em salas de aula, laboratórios, hospitais etc. Mas não só.

Também nos gabinetes dos professores, nos anfiteatros, nos pátios, nos cafés e lanchonetes, no bandejão, no Crusp, no ônibus lotado, na piscina, nos corredores, nas plenárias e assembléias, nas festas, nas greves, nos debates, nos seminários e congressos, nas rodas em que vicejam as anedotas dos professores... Como costuma-se dotar a técnica mais nova de poderes mágicos, acredita-se que ela pode substituir toda essa vivência.

Até o dolce far niente pode ser necessário ao estudante. Deitar na praça do Relógio e ler Einstein, Freud, Debord, Braudel, Darwin e outros monstros pode (pasmem) ser uma experiência e tanto. Formar grupos de estudos, comer e beber juntos, olhar nos olhos são atitudes que não podem ser meramente “virtuais”.

Um exemplo: eu e alguns amigos jantávamos muito com o saudoso Professor A. L. Rocha Barros, professor de Relatividade III no Instituto de Física da nossa universidade. Ele contava que um dia jogaram uma pedra na direção do aluno Fernando Henrique Cardoso e Rocha Barros conseguira puxá-lo para si, salvando-o. “Como me arrependo disso”, dizia o velho professor comunista... Histórias como essas desaparecerão para alunos formados à distância.

Talvez os idealizadores da Univesp tenham esquecido: a formação do jovem não se resume ao conteúdo do ensino, seja numa sala de aula ou à frente de um computador. Sendo uma relação social entre pessoas, mediada por uma instituição como a nossa, negar às pessoas essa vivência universitária seria o maior dos erros.

Não se nega que cursos de extensão, pós graduação lato sensu etc possam ser à distância. Mas a formação básica na USP nunca poderá sê-lo. É verdade que certas coisas se modernizam e supostos reacionários empedernidos se agarram ao mundo perdido das escolas de Könisberg do século XVIII. É mais ou menos como a mais velha relação humana: já existe o amor virtual e há quem o prefira; mas é difícil acreditar que ele seja melhor do que o concreto.

[texto do Prof. Dr. Lincoln Secco, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP].


Sobre a Educação à Distância: ela deve substituir o Ensino Presencial?


A educação a distância (EaD) tem recebido diversos incentivos governamentais. No âmbito nacional, há o projeto Universidade Aberta do Brasil (UAB), em funcionamento por meio das universidades federais. No Estado de São Paulo, o executivo criou a Universidade Virtual (Univesp), já com projetos em andamento, e permitiu que até mesmo o ensino médio tenha 20% de sua carga horária a distância. Que motivações teriam tais iniciativas?

Os discursos favoráveis à EaD enfatizam as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a enorme necessidade de professores no país — e alegam que muitos jovens estão impossibilitados de freqüentar o ensino presencial. Mas esses não são argumentos válidos para substituir o ensino presencial. A EaD surgiu, em muitos países, valendo-se de recursos como correio, fitas gravadas, televisão, telefone. Ou seja, existe há tempos e não se trata de um produto da tecnologia atual.

As TIC têm sido utilizadas como um instrumento a mais no processo educacional, sem substituir o ensino presencial. Usualmente, a EaD é voltada para aqueles que, de fato, não podem se deslocar até o local de estudo. Por exemplo, a maioria dos estudantes da Open University (Reino Unido) é constituída por pessoas que têm graves problemas de locomoção, trabalhadores em tempo integral, prisioneiros etc. Os países continuam formando seus profissionais por meio do ensino presencial, que possibilita a interação entre estudantes, entre estes e os professores, bem como o contato sistemático de ambos com os objetos do conhecimento; o acesso a bibliotecas, laboratórios e seminários; as perspectivas de iniciação científica e de pós-graduação etc. Essas possibilidades inexistem na EaD. Ademais, a maioria dos excluídos do ensino presencial não dispõe de espaço e ambiente adequados para estudos em casa. Quanto à carência de professores no país, de fato, é muito grande. Mas tentar resolver virtualmente esse problema é um erro grave, sejam quais forem as tecnologias utilizadas. Devemos ainda lembrar que, no Brasil, há muitos milhares de mestres e doutores que podem contribuir em cursos presenciais de formação de professores para a educação básica: só faltam políticas para tanto.

O fato de muitos jovens estarem alijados do ensino presencial é fruto da insuficiência de vagas nas instituições públicas, decorrente do descaso de sucessivos governos, em todas as esferas administrativas, e não da suposta impossibilidade de freqüentarem os cursos presenciais. Mas talvez haja outras motivações para a opção rápida dos governos pela EaD. Por certo, os cursos de graduação a distância na UAB e na Univesp têm a ver com as metas do Plano Nacional de Educação (PNE): em uma década, a partir de sua promulgação (2001), 30% dos jovens de 18 a 24 anos devem estar inscritos em cursos superiores, sendo que 40% das vagas devem se dar em instituições públicas. Assim, pretende-se cumprir tais metas por meio da EaD.

Uma possível motivação para o Executivo paulista permitir que até 20% da carga horária do ensino médio se realize a distância é a exigência da lei do piso salarial nacional dos professores da educação básica, de 2008, de reserva de um terço da jornada docente para planejamento e preparo de aulas, correção de trabalhos, entre outras atividades. Após o governador contestar a lei por suposto impacto financeiro, a Secretaria da Educação cogitou contabilizar os breves minutos entre aulas na reserva citada. A substituição de 20% da carga presencial permitirá que o governo cumpra a lei sem contratar mais professores e, como esse percentual vale para cada um dos componentes curriculares, os estudantes poderão cursar, por exemplo, conhecimento do mundo físico e natural (que engloba biologia, física e química) sem uma única aula presencial de alguma dessas disciplinas. Assim, estará também “resolvida” a falta de docentes para essas matérias. Tudo isso é altamente questionável.

A educação pública brasileira depende de recursos adequados. Com os minguados 3,5% do PIB a ela destinados é impossível superar o atraso educacional do país e satisfazer as exigências do PNE. E, quanto ao financiamento, cabe lembrar que o projeto de PNE aprovado pelo Congresso Nacional definia 7% do PIB, percentual vetado pelo então presidente FHC. O veto não foi derrubado pelo presidente Lula, embora sua proposta de governo prometesse tal medida. A manutenção das atuais políticas e, em particular, a contínua expansão da EaD em substituição ao ensino presencial agravarão o atraso educacional brasileiro. Como consequência, nosso desenvolvimento social, cultural e econômico será dificultado ainda mais.

É isso que a sociedade deseja?


OTAVIANO HELENE Professor do Instituto de Física, presidente da Associação de Docentes da Universidade de São Paulo

CÉSAR MINTO Professor da Faculdade de Educação, vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo

[texto publicado pelos professores Otaviano Helene e César Minto no dia 22 de dezembro de 2008, originalmente no jornal Correio Braziliense com o título "EaD deve substituir o ensino presencial?"]


terça-feira, 16 de junho de 2009

Grevistas exigem fim de curso para professor

Aula à distância para docente da rede pública entrou na lista de reivindicações

SÃO PAULO - Entre as bandeiras de reajuste salarial, aumento de benefícios e mais recursos para permanência estudantil, o movimento grevista da Universidade de São Paulo (USP) incluiu em suas reivindicações o fim de um projeto que está começando a se concretizar: a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Idealizada pelo secretário de Ensino Superior, Carlos Vogt, ex-presidente da Fapesp e ex-reitor da Unicamp, ela pretende usar a chancela das três universidades estaduais paulistas para oferecer cursos semipresenciais para professores, de preferência da rede pública. O projeto é também uma das principais ações da pasta, polêmica desde sua criação, e não deixa de ser uma alternativa paulista ao programa de formação do Ministério da Educação (MEC), que tem como um de seus pilares a Universidade Aberta do Brasil, também com cursos semipresenciais.

Criada no fim do ano passado por decreto do governador José Serra (PSDB), este ano a Univesp começou a ganhar forma. A Unesp anunciou a criação de um curso semipresencial de Pedagogia, com previsão de início no segundo semestre. O curso foi aprovado em dezembro pelo Conselho Universitário da instituição. Em fevereiro, o Conselho Universitário da USP aprovou a criação de um curso de Licenciatura em Ciências semipresencial, com vestibular marcado para 2 de agosto. Serão oferecidas 360 vagas e professores da rede pública da educação básica, público alvo do curso, receberão bônus na nota final. O início das aulas está previsto para o dia 21 de setembro.

O curso da USP funcionará nos câmpus da capital (90 vagas), de São Carlos (90 vagas), de Piracicaba (90 vagas) e de Ribeirão Preto (90 vagas). Parte das aulas será ministrada presencialmente aos sábados – será usado o sistema de videoconferência. O restante do conteúdo deverá ser acompanhado pela internet. A duração será de quatro anos.

O grande objetivo desses cursos, e sua importância, segundo os defensores, é que, ao associar aulas presenciais nos polos da universidade com o acompanhamento pela internet, por meio de plataformas virtuais, é possível preparar professores que já atuam na rede, mas não têm formação adequada. Os críticos da iniciativa questionam o método semipresencial, vendo nele uma falta de infraestrutura e qualidade. Procurado pelo Estado, o secretário Carlos Vogt não se pronunciou sobre o tema.


[por Simone Iasso, publicado no site do Estadão em 15 de Junho de 2009].