sábado, 27 de junho de 2009
Lançamento do Fórum pela Democratização das Universidades Estaduais Paulistas
domingo, 21 de junho de 2009
UNIVESP: piora iminente travestida de boa intenção [análise]
O texto abaixo (que segue na íntegra) foi publicado no blog breviário.org e faz uma boa análise sobre a UNIVESP e também sobre os últimos acontecimentos na USP.
Um dos pilares dos problemas atuais na Universidade de São Paulo é a vindoura instalação da assim chamada Universidade Virtual do Estado de São Paulo, a UNIVESP. Há uma desinformação assombrosa sobre o tema; pretendo expor em detalhes os problemas do projeto apresentado pelo governo estadual, não sem antes fazer algumas considerações a respeito do desconhecimento crônico da iniciativa.
Muitos alunos que se proclamam "contra a greve" e até "a favor da PM" não têm a mínima ideia do que é a UNIVESP e do que ela significa. Quando ficam sabendo que se trata de um projeto para criar cursos de ensino superior à distância, abraçam em maioria a defesa da iniciativa, sem fazer a devida reflexão sobre o tema: buscam argumentos a favor do ensino à distância que são não raro generalistas e improcedentes. Ora, não há a mínima lógica em apoiar algo que não se sabe o que é – e demonizar aqueles que são contra e conhecem os motivos para ter essa posição.
Não preciso dizer que seria desejável que a "maioria absoluta dos estudantes que é contra a greve" deveria ter embasamento em sua posição. Como já disse no post anterior, fui contrário à greve até o dia 9, quando passei a considerá-la necessária como resposta à ação violenta da PM. Antes disso, repetindo, era contrário, por motivos expostos no post anterior. Mas não me eximi e li o projeto que agora vou comentar.
***
O projeto começa com sua "Introdução" a dizer coisas muito justas e outras involuntariamente muito cômicas. A primeira das cômicas é a seguinte:
Os cursos de graduação, pós-graduação e extensão oferecidos pelas três universidades públicas do estado apresentam algumas das maiores relações de candidatos por vaga do país, o que confirma o alto nível oferecido na educação superior.
Esse fato, utilizado para falar bem das instituições de ensino superior acaba sendo mais uma prova de que há mais procura do que vagas, ou seja, uma relativa insuficiência. Mas é bom lembrar que o ensino superior universitário não precisa ser universal – insistir na "necessidade" de ampliar as vagas no ensino superior é desconhecer os problemas que já existem:
Entretanto, mesmo considerando-se as relações mundialmente acertas [sic] para a composição da pirâmide estudantil, e conseqüentemente da composição da pirâmide sócio-econômica, uma parcela bem pequena da comunidade estadual consegue o privilégio de desfrutar do ensino de qualidade oferecido pelas universidades públicas estaduais.
Aí entrariam discussões muito amplas, como a real necessidade da maioria da população ter um diploma de ensino superior. Sabemos que no Brasil há uma demanda irreal por diplomas, e qualquer torneiro mecânico teme precisar de um diploma de engenharia para conseguir emprego de… torneiro mecânico! É uma inversão completa de valores, representada até na recente música de Seu Jorge, Trabalhador brasileiro: "Tem gari por aí que é formado engenheiro." Mas não vou entrar nesses debates. Vou considerar como justa e correta a busca por ampliar o acesso à universidade às diferentes camadas sociais.
Nesse sentido, a intenção do projeto já se revela em sua introdução: considerar o ensino à distância uma das formas de garantir esse acesso sem grandes gastos em infraestrutura, que seriam impedimentos fortes. Lembro aqui um texto de Claudio de Moura e Castro, em favor do ensino à distância:
Logo após a criação dos selos de correio, os novidadeiros correram a inventar um ensino por correspondência. Isso foi na Inglaterra, em meados do século XIX. No limiar do século XX, os Estados Unidos já ofereciam cursos superiores pelo correio. Na década de 30, três quartos dos engenheiros russos foram formados assim. Ou seja, novo não é.
(…)
Mas, no caso dos longos [cursos], o calcanhar de aquiles do EAD é a dificuldade de manter a motivação dos alunos. Evitar o abandono é uma luta ingente. Na prática, exige pessoas mais maduras e mais disciplinadas, pois são quatro anos estudando sozinhas. As telessalas, que reúnem os alunos com um monitor, têm o papel fundamental de criar um grupo solidário e dar ritmo aos estudos. E, se o patrão paga a conta, cai a deserção, pois abandonar o curso atrapalha a carreira. Também estimula a persistência se o diploma abre portas para empregos e traz benefícios tangíveis – o que explica o sucesso do Telecurso.
Enfim, há casos de grande sucesso do ensino à distância, embora seja preciso um trabalho para evitar a deserção e o que Claudio chama de "embromação". Mas há dois pontos a se levantar no caso específico da UNIVESP: 1) ela se presta a formar licenciados, e não fornecer aprendizado técnico ou complementação de ensino fundamental e/ou médio – caso do Telecurso 2000; 2) é possível afirmar que a estrutura proposta para a UNIVESP servirá ao propósito nobre exposto na introdução de seu projeto?
Quanto ao primeiro ponto, já se deve questionar na base: é possível ensinar presencialmente formando-se à distância? Cursos relativos de alguma forma à pedagogia não podem deixar de dar ao aluno o caráter prático do específico metiér que é ensinar. Se os programas de estágio já são extremamente falhos na universidade, nada garante no projeto que haverá preocupação nesse sentido.
Já o segundo ponto merece uma análise mais detida, em especial contrapondo o projeto à argumentação. Partamos para um trecho posterior do projeto, já relativo ao público-alvo:
Num primeiro momento, espera-se que o projeto atenda parte da demanda por cursos superiores para os professores que ainda não o possuem, sem negligenciar o oferecimento inicial de alguns cursos de pós-graduação e M B As que possam promover a evolução de professores já graduados e que posteriormente possam atuar como multiplicadores e apoiadores do projeto.
Ou seja, professores que já trabalham como tal teriam a capacitação necessária para exercer a profissão. Ora, podemos ver isso de duas maneiras: uma aceitação da ideia de que há profissionais sem a qualificação necessária para ensinar trabalhando, não obstante sua não-formação. Por outro lado, sabemos da recente exigência, criada por lei estadual, de que todos os docentes da rede pública tenham ensino superior. Então a UNIVESP viria para corrigir esse problema. Ressalte-se que já há muitos anos essa situação dos docentes despreparados vem se agravando, e somente agora foi tomada uma atitude nesse sentido.
Mas, em seguida, a intenção de formar novos licenciados (e não apenas aprimorar os já empregados no ramo) fica patente:
Sugere-se que na fase inicial desta implantação, sejam objetivadas as áreas onde há maiores carências de formação ecapacitação docentes, de forma a aprimorar a educação básica no estado.
À parte a sintaxe sofrível do projeto, fica evidente a intenção de colocar os formados à distância para atender a demanda das escolas estaduais. O que entra em contradição com o discurso oficial anteriormente citado, de preferência aos professores que já trabalham no ensino público.
Mas vejamos os princípios operacionais do projeto:
Na primeira vertente, a TV Cultura, ainda operando em sua fase analógica, apresentaria ao menos duas horas de programação educacional por dia. Assim, haveria a possibilidade do oferecimento de meia hora diária de programação para cada um dos quatro cursos iniciais, permitindo o oferecimento de cinco disciplinas semanais em cada curso, média normal de disciplinas nos semestres letivos deste tipo de curso, além de dois cursos de pós-graduação baseados em transmissões realizadas aos sábados.
Sinto informar aos defensores do ensino à distância, mas o que vai acima é um acinte. Fazer uma cópia do Telecurso 2000 para formar professores é no mínimo ridículo. A estrutura de aulas pela TV pode servir para quem precisa completar falhas de formação, mas não para aquele que irá formar outras pessoas. Para isso é preciso muito mais do que conhecer o assunto que vai ser lecionado. Eu sei bastante de matemática, mas não me considero capaz de ensinar nem mesmo a aritmética elementar a alunos de primeira série pelo simples fato de que não tenho o mínimo treinamento necessário para lidar com os diferentes níveis de aprendizado dos alunos. Como alguém, assistindo programas educacionais na TV Cultura, pode aprender isso?
Mas ainda há coisas cômicas:
A relação do aluno com o professor responsável por uma disciplina, e com o tutor que acompanha a aprendizagem, pode acontecer de diferentes formas.A primeira destas formas acontece quando da visualização do professor na televisão. Isto já promove uma certa relação pessoal, do mesmo tipo da que acontece entre o espectador e um ator.
Sem comentários. Adiante:
Entretanto, para que a aprendizagem seja continuamente orientada e incentivada, há que se criar uma estreita relação acadêmica entre alunos e professor. É nesta função que atua o professor-tutor, acompanhando e orientando todo o processo de aprendizagem.
Ou seja, o contato entre alunos e professores se dará por meio do intermediário "tutor", que provavelmente será um pós-graduando regiamente mal pago para exercer o papel do professor para os que tiverem dúvidas ou problemas. Mas o projeto nada diz sobre como será exercido esse tutoramento. Resta a impressão de que será também à distância, condicionando todo o aprendizado a um esquema virtual que, como sabemos, não se verificará na prática. Em suma: os que assistirão programas na TV terão o papel de apresentar o que aprenderam para os alunos da rede pública sem terem passado por nenhuma assistência real – só a virtual.
Quem chama esse curso de "semipresencial" não sabe do que está falando. Apenas as provas seriam presenciais, e os atendimentos feitos pelos tutores em alguns casos. A relação aluno-professor seria totalmente virtual. Logo, a propalação do termo "semipresencial" serve apenas a um propósito: amenizar a opinião pública que, em princípio, tenderia a ver na iniciativa a ver apenas mais um ato destrutivo da educação no estado de São Paulo. Esta opinião não estaria equivocada.
Tenho uma irmã no ensino estadual, cursando o primeiro ano do colegial. Neste ano, ao invés de distribuírem os tradicionais livros didáticos (não raro cheios de erros, mas ainda assim livros), preferiram dar cadernos de exercícios referentes às matérias. São péssimos. Quem duvida de mim deveria procurar esses cadernos. Um deles, de biologia, tem um erro primário: confunde teia alimentar com cadeia alimentar. Minha irmã, no primeiro ano do colegial, ainda não sabe o que é a tabela periódica. Não há nada no caderno dos dois primeiros bimestres sobre o que é o primeiro passo no ensino de Química.
Ou seja, somando-se todos os fatores, que motivos temos para acreditar que o ensino à distância proposto pelo governo estadual não é apenas mais uma forma de dar status de diplomados a pessoas sem a mínima formação? Que motivos temos para achar que as pessoas que se formarem nesse programa terão outra alternativa fora dar aulas no ensino público, sem a preparação necessária? Que as três reitorias das universidades estaduais paulistas nada façam contra essa precarização iminente do conceito de ensino superior é algo que causa assombro. E que a mídia não mostre a íntegra desse programa quando ele é citado como um dos motivos da greve na USP é vergonhoso.
Aos que dizem "PM nesses vagabundos!", fica meu sincero lamento. Principalmente aos alunos da Universidade de São Paulo que desconhecem tudo isso e apoiam a repressão violenta de um movimento que, se é extremamente falho, ultrapassado e em muitos momentos boçal, ainda assim tem a razão de revoltar-se contra essa política pública de educação que produzirá mais deficiências, sem resolver qualquer uma das já existentes.
Publicado pelo estudante de Letras Vinicius Melo Justo no blog Breviário.org
http://breviario.org/relances/2009/06/20/univesp-piora-iminente-travestida-de-boa-intencao/
Comparato: A autonomia universitária é uma farsa [entrevista]
Um dos intelectuais mais respeitados do país, Fábio Conder Camparato critica a presença da Polícia Milistar no campus da USP e afirma que os serviços públicos no Brasil são entendidos como um 'ralo por onde somem os recursos'. Para ele, a autonimia universitária é uma farsa e as instituições de ensino no país não agem de maneira republicana.
sábado, 20 de junho de 2009
Os "bunkers" virtuais
por Clóvis Rossi
Carta do leitor Jorge Henrique Singh, aparentemente um estudante, publicada no domingo, ajuda a entender não apenas o quadro na USP como, mais amplamente, a catatonia da sociedade brasileira.
A Univesp é um bom caminho para ampliar o acesso ao Ensino Superior no país?
NÃO Univesp é arremedo de ensino superior por César Augusto Minto NO BRASIL , é comum atribuir relação intrínseca e biunívoca entre ensino à distância (EàD) e tecnologias de informação e comunicação (TIC), modernas ou não. Ledo engano, pois tais tecnologias não caracterizam nem sequer são exclusivas do EàD. A incorporação das TIC no ensino presencial, por sinal, é modesta, entre outros motivos, porque faltam às instituições de ensino recursos para prover a infraestrutura necessária. Por outro lado, a prática do EàD no país apresenta características negativas: 1) cursos modulares, aligeirados; 2) reduzida carga de ensino presencial, nem sempre conduzida por professores (substituídos por monitores e tutores); 3) fragmentação do processo de ensino: planejamento, elaboração, acompanhamento e avaliação realizados por pessoas distintas; e 4) precarização do trabalho dos docentes, monitores e tutores, todos submetidos a contratos temporários. Educadores e pesquisadores têm estudado o tema. Experiências que também se valeram em parte do EàD (como as licenciaturas parceladas no MT e o projeto Gavião no PA) auguram alguns indicadores positivos. Mas ainda não dispomos de um conjunto fundamentado de saberes sobre o assunto que justifique a adoção plena do EàD. Contudo, instituições e pessoas distorcem os esforços citados para defender o seu uso indiscriminado, a começar pela formação de professores e em larga escala. Os defensores incondicionais do EàD têm agido rapidamente, tanto no plano nacional (criação da UNIVERSIDADE Aberta do Brasil) como em SP, onde criaram o programa UNIVERSIDADE Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Discutiremos aqui duas de suas alegações: 1) EàD e Univesp democratizam o acesso ao ENSINO SUPERIOR (ES) e 2) suprem a falta de professores de algumas disciplinas. Grande contingente de pessoas não tem acesso ao ES presencial, supostamente por questões sociais ou geográficas; assim, a adoção do EàD seria uma iniciativa democratizadora. Porém, muitos desses excluídos residem em municípios onde há ES público, presencial e de qualidade, mas sem vagas em número suficiente. Ora, se há jovens alijados do ENSINO SUPERIOR por razões sociais ou econômicas, os instrumentos a usar são outros: cursos noturnos, bolsas de estudo, moradia estudantil etc. Quanto às regiões desprovidas de ES, o Plano Estadual de Educação-Proposta da Sociedade Paulista (parado na Assembleia Legislativa) resolveria tal problema por meio da expansão das instituições públicas presenciais. Do ponto de vista educacional, o EàD poderá trazer inúmeras limitações para os estudantes, desde ausência de programas de iniciação científica a dificuldades de acesso a boas bibliotecas e a laboratórios bem equipados. E serão privados da indispensável interação entre os estudantes, destes com os professores e de uns e outros com os objetos de conhecimento, em prejuízo da aprendizagem. Vários países adotam EàD para contemplar pessoas que não podem ser atendidas presencialmente: impossibilitados de locomoção, prisioneiros, militares engajados em regiões de fronteira etc. Por que não se faz isso no Brasil? Por que se busca impor o EàD em substituição ao ensino presencial regular? Todas as redes públicas de ensino, incluindo a paulista, sofrem com a falta de docentes, em especial de física, matemática, química e biologia. Mais do que a insuficiência de professores formados, porém, prevalece a precariedade das condições de trabalho e salário nessas redes, ignorada por sucessivos governos. Há um contingente subutilizado de docentes que estão atuando em outras áreas por ausência de condições na rede pública paulista. Curiosamente, um dos cursos que darão início à Univesp, com 5.000 vagas, é o de pedagogia, área na qual não faltam profissionais! Por que comprometer perigosamente a formação de professores nas próximas gerações? Por que oferecer apenas e tão-somente o EàD àqueles que, por razões socioeconômicas e, sobretudo, pelo sucateamento da rede pública, não estão tendo a oportunidade de frequentar o ENSINO SUPERIOR público presencial? CÉSAR AUGUSTO MINTO, 59, é professor na Faculdade de Educação da USP e vice-presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP). _______________________________________________
O papel da sociedade por Gil Costa Marques A UNIVERSIDADE tem duas funções primordiais. A primeira é expandir as fronteiras do conhecimento e, assim, enriquecer a cultura científica e tecnológica do país. A mais importante, no entanto, é promover a formação de recursos humanos qualificados, os quais são elementos-chave no fomento do desenvolvimento econômico e social. Para melhor cumprir sua função social, as universidades públicas devem buscar alternativas, além do ensino presencial, visando à ampliação da oferta de cursos novos. Isso levaria à formação de mais indivíduos qualificados para alavancar o desenvolvimento da sociedade que as sustenta. Por isso, vemos como positivas as iniciativas das universidades estaduais paulistas de investir no ensino à distância. A universidade é o espaço da criatividade, da pesquisa e da inovação. Espera-se dela que investigue e analise novas ideias e experiências de natureza educacional. Assim, urge encontrar mecanismos institucionais visando à incorporação das novas tecnologias tanto no apoio ao ensino presencial quanto na ampliação de cursos de extensão e de graduação. Há uma demanda crescente pelo ensino de qualidade. Há, por outro lado, no modelo atual de ensino, uma limitação de recursos materiais e humanos que impede o atendimento cabal dessas demandas. Com a evolução das ferramentas voltadas para o ensino, a modalidade à distância se torna uma alternativa viável para atender boa parte da demanda reprimida. Portanto, a questão do uso das novas tecnologias não é se devemos utilizá-las para ampliar a oferta de cursos, mas como fazê-lo e em que ritmo. O uso das novas tecnologias no ensino pode representar uma mudança de paradigma. Trata-se de uma forma de democratização do ensino e uma alternativa de inclusão social para aqueles que, por conta da sua condição social ou localização geográfica, não têm acesso ao ensino presencial. Pode a universidade pública furtar-se à pesquisa, à disseminação e ao uso de um instrumento tão promissor? Podemos oferecer cursos à distância sem que se perca a comprovada qualidade do ensino presencial? Temos pouca experiência nessa modalidade, mas chamamos a atenção para um caso concreto. Tendo em vista a necessidade de formação de professores, a UFRJ oferece cursos à distância. O relatório de avaliação do curso de física indica que o desempenho dos alunos e a taxa de evasão são os mesmos dos cursos presenciais. A experiência da UFRJ demonstra que uma universidade de prestígio pode praticar ensino à distância mantendo o mesmo nível do ensino presencial. O senso de responsabilidade exigido de USP, Unesp e Unicamp impõe, por outro lado, muita cautela para que não se comprometa a qualidade do ensino. Ademais, ninguém, ao que se saiba, defende a substituição ou a redução do ensino presencial. As duas propostas em discussão na USP, por exemplo, visam tão-só à ampliação da oferta de cursos. Elas foram formuladas por 32 docentes de vasta experiência e devem ser (ou foram) analisadas em seis instâncias diferentes na universidade. Uma vez que temos um longo percurso pela frente e estamos apenas aprendendo a ensinar utilizando essas novas tecnologias, essa cautela é justificável. Novos cursos e modelos educacionais, além dos já sugeridos, devem ser analisados no futuro. Por que deveríamos, nesse momento, ampliar a oferta de cursos? Uma nova perspectiva se abre quando analisamos o problema do ensino de ciências e matemática no Brasil. É sabido que avaliações recentes colocam o ensino dessas matérias no país entre os piores do mundo. Um dos entraves ao ensino de ciências é a qualificação dos docentes. Assim, acreditamos que a USP deve oferecer, num primeiro momento, cursos de extensão e cursos de licenciatura à distância nos diversos ramos das ciências e pedagogia. Com isso, estaria atendendo a uma demanda de claro interesse social. A questão central é se essas universidades querem lançar mão do ensino à distância para resgatar uma enorme dívida social. Estão sendo instadas a resolver um problema cuja solução está a seu alcance. Cabe a elas contribuir, de forma significativa, para a melhoria do ensino no Brasil. GIL DA COSTA MARQUES, 63, é professor titular do Instituto de Física da USP, coordenador de Tecnologia da Informação da USP e membro do conselho da Univesp. Os artigos acima foram publicados na seção "Tendências e Debates" do jornal Folha de São Paulo em 20 de Junho de 2009. |
Contra a presença da Polícia Militar na Universidade de São Paulo
Você pode avançar ou retroceder as fotos deste álbum usando as setas direcionais do seu teclado
Por que os grevistas são contra e-learning?
O ensino à distância é um dos pontos mais controversos da greve que se intalou na três principais universidade paulistas.
Grupos de estudantes entraram em paralisação, entre outros motivos, por não concordarem com a implementação de projetos da Universidade Virtual do Estado de São Paulo, Univesp, entidade voltada para o ensino à distância.
Criada pelo atual governador de São Paulo, José Serra, do PSDB, a Univesp é um sistema de financiamento que irá ajudar a custear programas de ensino à distância (EAD) das três grandes instituições de ensino superior públicas do estado: USP, Unicamp e UNESP. Isso significa que a Univesp, que está vinculada à Secretaria de Ensino Superior, não vai ter o poder de criar cursos, já que fica a critério das universidades elaborar, aprovar e implementar as disciplinas ministradas.
“A Univesp não estabelece uma política de atuação. O aspecto pedagógico, como vai ocorrer a interação, tudo fica a cargo do professor”, explica José Armando Valente, Coordenador do Grupo Gestor de Educação à distancia na Unicamp. “A proposta é que isso seja feito com a maior interação possível, pois é assim que a gente garante a qualidade da informação”, diz o professor que, desde 1996, trabalha com EAD.
Uma vez que a quantidade de cursos e alunos depende do planejamento de cada faculdade, a Univesp ainda não possui um departamento técnico voltado exclusivamente para o EAD. “Nossa idéia é começar com seis pessoas para cuidar não somente dos cursos à distância, mas dedicadas a dar também apoio técnico ao ensino presencial”, diz Gil da Costa Marques, Coordenador de TI da USP e representante da Universidade de São Paulo no Comitê Diretivo do programa Univesp.
Marques ressalta ainda a questão econômica que envolve os cursos à distância. “Se fôssemos criar cursos presenciais para todos os alunos que precisam, não haveria como manter o ensino no nível que a USP pratica. O Estado dedica cerca de 10% do orçamento para o ensino superior público. Precisaria de 20 vezes mais para atender todo mundo, o que é simplesmente inviável”, diz.
No entanto, as afirmações a respeito dos benefícios dos cursos à distância não são aceitas pela liderança estudantil das universidades. “Manter a qualidade de um curso à distância é muito mais caro que a própria Univesp pretende financiar”, afirma Reginaldo Alves, membro do Diretório Central Estudantil (DCE) da Unicamp. “Parece vantajoso lucrativamente, mas o ensino praticado será de qualidade inferior”, diz.
O foco mais tenso das paralisações, no entanto, é a USP. Funcionários iniciaram protestos por melhores salários no dia 3 de maio, seguidos pouco mais de um mês depois, dia 5 de junho, por professores e estudantes.
“Além da expulsão da Polícia Militar do campus e da demissão da atual reitora, Suely Vilela, com implementação de eleições diretas para seu sucessor, um dos pilares da nossa greve é a Univesp”, diz Gabriela Hipólito, membro da atual chapa do DCE da USP. Aluna do quarto ano de Letras, ela explica que os estudantes não são contra o uso da tecnologia para a educação: “O que discutimos é a forma como ela está sendo utilizada, somos contra a Univesp”, diz.
Gabriela afirma que os estudantes são a favor de toda forma de tecnologia associada ao ensino, mas acredita que ela seja um acessório no aprendizado. “A base é a universidade, ensino presencial. A Univesp vai trazer o que chamamos de precarização de estudo”, acredita.
Para Valente, está é uma afirmação “totalmente ignorante”, já que “ a presença de um aluno em sala não garante sua participação na aula; já o ambiente virtual propicia até mais condições de interagir. Se o professor fizer uma pergunta na educação à distância, ele obtém 30 repostas; na sala de aula apenas dois ou três alunos respondem”.
Em sua opinião, os estudantes que se mostram contrários estão se baseando em modelos ruins praticados por algumas instituições privadas. Fora do Brasil, há diversos casos de universidades renomadas que há alguns anos praticam o ensino à distância.
A Open University, na Inglaterra, por exemplo, iniciou sua primeira turma em 1971. Na Berkeley, nos Estados Unidos, há mais de 140 cursos de extensão à distância. Até mesmo o tradicional MIT disponibiliza uma opção de graduação à distância – mas exige a presença do aluno no campus por um semestre inteiro, além de sua presença em outros eventos regulares.
A troca de farpas entre movimento estudantil e coordenação da Univesp vai além de discussões pedagógicas. “A população carente tem que estar presente no campus. Somos contra criar duas universidades: uma para elite de São Paulo, branca, e outra para quem não tem acesso a ela”, diz Gabriela, do DCE da USP. Já Valente rebate, dizendo que a postura de alguns estudantes é que é elitista: “Foi falado em reuniões que a verba deveria melhorar a condição de quem já está no campus, investindo na biblioteca, em estúdios... Nós não estamos falando de educação à distância para quem já está na faculdade – é para quem não entrou nela ainda”, diz.
Mas parece que, pelo menos por enquanto, a única coisa “distante” é o início das aulas em parceria com a Univesp, já que o curso para formação de professores de ciência à distância da USP não terá início este ano, como havia sido anunciado. O curso foi adiado para 2010 pois os próprios professores não entraram em um acordo com o governo.
[por Paula Rothman, publicado no site da INFO Online em 19 de Junho de 2009].
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Ato pela saída da Polícia Militar do campus da USP, pela saída de Suely Vilela do cargo de reitora e pelo fim da Univesp
no G1: http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1199298-5604,00.html
na Rede Brasil Atual, que está fazendo uma cobertura bastante ampla do ato: http://www.redebrasilatual.com.br/multimidia/albuns-de-fotos/manifestacao-usp/
no Uol: http://educacao.uol.com.br/album/20090618-protesto-usp-unesp-unicamp-paulista_album.jhtm?abrefoto=12
quarta-feira, 17 de junho de 2009
O Ensino à Distância na USP
Sobre a Educação à Distância: ela deve substituir o Ensino Presencial?
Os discursos favoráveis à EaD enfatizam as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a enorme necessidade de professores no país — e alegam que muitos jovens estão impossibilitados de freqüentar o ensino presencial. Mas esses não são argumentos válidos para substituir o ensino presencial. A EaD surgiu, em muitos países, valendo-se de recursos como correio, fitas gravadas, televisão, telefone. Ou seja, existe há tempos e não se trata de um produto da tecnologia atual.
As TIC têm sido utilizadas como um instrumento a mais no processo educacional, sem substituir o ensino presencial. Usualmente, a EaD é voltada para aqueles que, de fato, não podem se deslocar até o local de estudo. Por exemplo, a maioria dos estudantes da Open University (Reino Unido) é constituída por pessoas que têm graves problemas de locomoção, trabalhadores em tempo integral, prisioneiros etc. Os países continuam formando seus profissionais por meio do ensino presencial, que possibilita a interação entre estudantes, entre estes e os professores, bem como o contato sistemático de ambos com os objetos do conhecimento; o acesso a bibliotecas, laboratórios e seminários; as perspectivas de iniciação científica e de pós-graduação etc. Essas possibilidades inexistem na EaD. Ademais, a maioria dos excluídos do ensino presencial não dispõe de espaço e ambiente adequados para estudos em casa. Quanto à carência de professores no país, de fato, é muito grande. Mas tentar resolver virtualmente esse problema é um erro grave, sejam quais forem as tecnologias utilizadas. Devemos ainda lembrar que, no Brasil, há muitos milhares de mestres e doutores que podem contribuir em cursos presenciais de formação de professores para a educação básica: só faltam políticas para tanto.
O fato de muitos jovens estarem alijados do ensino presencial é fruto da insuficiência de vagas nas instituições públicas, decorrente do descaso de sucessivos governos, em todas as esferas administrativas, e não da suposta impossibilidade de freqüentarem os cursos presenciais. Mas talvez haja outras motivações para a opção rápida dos governos pela EaD. Por certo, os cursos de graduação a distância na UAB e na Univesp têm a ver com as metas do Plano Nacional de Educação (PNE): em uma década, a partir de sua promulgação (2001), 30% dos jovens de 18 a 24 anos devem estar inscritos em cursos superiores, sendo que 40% das vagas devem se dar em instituições públicas. Assim, pretende-se cumprir tais metas por meio da EaD.
Uma possível motivação para o Executivo paulista permitir que até 20% da carga horária do ensino médio se realize a distância é a exigência da lei do piso salarial nacional dos professores da educação básica, de 2008, de reserva de um terço da jornada docente para planejamento e preparo de aulas, correção de trabalhos, entre outras atividades. Após o governador contestar a lei por suposto impacto financeiro, a Secretaria da Educação cogitou contabilizar os breves minutos entre aulas na reserva citada. A substituição de 20% da carga presencial permitirá que o governo cumpra a lei sem contratar mais professores e, como esse percentual vale para cada um dos componentes curriculares, os estudantes poderão cursar, por exemplo, conhecimento do mundo físico e natural (que engloba biologia, física e química) sem uma única aula presencial de alguma dessas disciplinas. Assim, estará também “resolvida” a falta de docentes para essas matérias. Tudo isso é altamente questionável.
A educação pública brasileira depende de recursos adequados. Com os minguados 3,5% do PIB a ela destinados é impossível superar o atraso educacional do país e satisfazer as exigências do PNE. E, quanto ao financiamento, cabe lembrar que o projeto de PNE aprovado pelo Congresso Nacional definia 7% do PIB, percentual vetado pelo então presidente FHC. O veto não foi derrubado pelo presidente Lula, embora sua proposta de governo prometesse tal medida. A manutenção das atuais políticas e, em particular, a contínua expansão da EaD em substituição ao ensino presencial agravarão o atraso educacional brasileiro. Como consequência, nosso desenvolvimento social, cultural e econômico será dificultado ainda mais.
É isso que a sociedade deseja?
OTAVIANO HELENE Professor do Instituto de Física, presidente da Associação de Docentes da Universidade de São Paulo
CÉSAR MINTO Professor da Faculdade de Educação, vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo
[texto publicado pelos professores Otaviano Helene e César Minto no dia 22 de dezembro de 2008, originalmente no jornal Correio Braziliense com o título "EaD deve substituir o ensino presencial?"]